Acertar o passo<br>para uma vida melhor
A necessidade de romper com os constrangimentos externos, renegociar a dívida, optar por uma política fiscal que tribute de forma mais adequada os senhores do dinheiro voltou a ser defendida na AR pelo Secretário-geral do PCP.
PSD e CDS querem fazer andar para trás a vida dos portugueses
Só assim será possível «libertar os recursos financeiros que permitam aumentar o investimento público, apoiar a produção nacional, valorizar salários e pensões, assegurar com qualidade o funcionamento dos serviços públicos», sustentou Jerónimo de Sousa, convicto de que essa é a «política alternativa de que o País precisa».
O líder comunista interpelava, faz hoje oito dias, no debate quinzenal, o primeiro-ministro, a quem fez notar que embora não seja «fácil nem simples» não pode deixar de se «tentar acertar o passo entre a necessidade e a possibilidade de uma vida melhor para Portugal e os portugueses».
António Costa, na resposta, embora admitindo que é difícil o «desafio» de compatibilizar a «mudança necessária com o quadro possível da mudança», sustentou que «é possível fazer as duas coisas». E afirmou que «há um combate a travar na UE» e que têm sido dados «vários passos novos, uns mais sólidos outros mais tímidos, no sentido de alargar o campo das possibilidades».
«O que não se pode é deixar de fazer aquilo que à partida é possível e que é necessário», referiu, salientando que «não haverá melhor emprego, melhor natalidade, melhoria da produção nacional se não formos capazes de ter uma política que tenha como prioridade o crescimento e a criação de emprego».
E para isso o «investimento é essencial», tal como é uma «reforma fiscal», argumentou, revelando que o Governo tem para o efeito em perspectiva um «trabalho em conjunto» com vista à elaboração de um «quadro fiscal» que «incentive o investimento produtivo e a criação de emprego mas combata a injustiça social, combata a fuga e evasão fiscais».
Batalha da produção
Jerónimo de Sousa, ouvindo as palavras do primeiro-ministro, admitiu que elas «acertam» com outra preocupação sua, a qual tem que ver com a imperiosa necessidade de «ampliar do poder de compra dos portugueses para dinamizar a economia e fazer justiça no plano social».
Esse «é o caminho necessário que precisamos de continuar a percorrer», insistiu, advertindo, todavia, que este caminho implica «criar condições para promover a produção do País, fazendo com que o aumento do rendimento dos portugueses se traduza no desenvolvimento da produção nacional e no seu consumo e menos na componente importada desses consumos».
E a este respeito defendeu que «está na hora de o Governo se empenhar de uma forma mais decidida nesta batalha importantíssima da valorização da produção nacional».
Desde logo, especificou, «tomando a iniciativa e avançando com uma grande campanha dirigida aos consumidores nacionais de valorização dos produtos portugueses».
Sem deixar de ter presente os «limites de uma campanha deste tipo, se for isolada da solução de outros problemas», Jerónimo de Sousa afirmou acreditar contudo que este seria o momento adequado para uma «acção mais determinada e com outro papel da parte do Governo junto da grande distribuição».
Papel, ressalvou, que não pode ser o que lhe reserva o modelo de funcionamento da PARCA (a plataforma para os produtos agrícolas), cujos resultados do seu ponto de vista têm sido «fracos».
Há que garantir a «aquisição privilegiada de produção nacional por parte dessas grandes cadeias» e, por outro lado, assegurar «medidas de publicitação e visibilidade das marcas nacionais», defendeu.
A este propósito, o chefe do Executivo reconheceu que a contribuição da distribuição nacional «poderia e deveria ser melhor». E numa crítica explícita a agentes da grande distribuição, disse sentir-se «chocado muitas vezes» quando ouve produtores dizerem que «há uma cadeia não nacional que tem melhores práticas, mais amigas da produção nacional, do que algumas cadeias de origem nacional». O que, na sua perspectiva, é demonstrativo de que «havendo vontade era possível a distribuição nacional ser mais amiga da produção nacional».
Dar respostas
Os altos custos da energia e as dificuldades e restrições que permanecem no acesso ao crédito por parte das pequenas empresas, «apesar da injecção de liquidez no sistema financeiro pelo BCE», constituem dois outros problemas para os quais Jerónimo de Sousa chamou a atenção, defendendo que em ambos se justifica uma intervenção do Governo.
«Nós pensamos que é possível e necessário tomar medidas, nomeadamente reintroduzir em Portugal um sistema de regulação dos preços, por via do estabelecimento de um mecanismo de preços máximos compatíveis com a viabilidade económica das pequenas e médias empresas e também com o acesso das famílias à energia», afirmou, depois de se manifestar ciente de que os nossos sectores produtivos «precisam e podem ter energia mais barata e que o Governo pode agir para o garantir».
Já quanto ao crédito, para o responsável comunista, Portugal precisa de outras respostas com uma «política de crédito com instrumentos financeiros e condições (garantias, spreads, comissões) para capitalização, investimento ou tesouraria, ajustada às necessidades das pequenas empresas».
E porque este é «um sector importantíssimo», que «tinha e tem esperança em relação à nova solução política», Jerónimo de Sousa, instando António Costa, afirmou que há que «encontrar respostas concretas que resolvam estes problemas».
Baixar custos
O primeiro-ministro, na resposta, informou que uma das primeiras medidas do Governo foi a criação da unidade de missão de capitalização das empresas, que apresentará as suas propostas em Junho tendo em vista responder à criação de um quadro favorável à capitalização das empresas.
Concordando com Jerónimo de Sousa sobre a importância central que assume a questão da energia, António Costa adiantou que o «preço do gás natural baixará a partir de Julho para os clientes finais em média tensão, em particular para as empresas, em cerca de 28,5 por cento». E revelou que tem havido negociações com Espanha para a redução da taxa de passagem, acrescentando que suscitou à entidade reguladora a «avaliação de um novo regime de atribuição de incentivos às empresas».
Para além destes factores estruturais, o chefe do Executivo reconheceu ser igualmente importante a área da «comunicação» e a adopção de uma «grande campanha nacional», revelando estar a ser preparado o relançamento da denominada «Portugal sou eu».
Dentro da mesma lógica disse ainda ter sido aprovada na semana passada em conselho de ministros uma «medida importante relativamente à rotulagem da carne», sobretudo para fazer face à crise que vive o sector da suinicultura.
Lavandaria de sujos
«Um lavadouro público para dinheiros sujos, de grandes capitalistas e banqueiros portugueses postos no estrangeiro nos paraísos fiscais para fugir ao fisco», assim avalia Jerónimo de Sousa o Regime Extraordinário de Regularização Tributária (RERT), aplicado em diferentes versões em 2005, 2010 e 2011.
«Uma lavagem realizada a preço de saldo – a um preço baratíssimo, comparado com que deviam pagar de IRC», criticou o líder do PCP, que suscitou o tema a propósito da eventual destruição da documentação relativa a esses processos de lavagem.
É esse mesmo o destino que está previsto para tais documentos sob tutela e guarda do Ministério da Finanças, depositados no Banco de Portugal, passados que sejam 10 anos sobre a aplicação do RERT.
Ora acontece que sobre o RERT I já passaram 10 anos, como observou Jerónimo de Sousa, que recordou que em 2015 o PCP não só solicitou uma informação ao governo PSD/CDS como alertou para a necessidade de não destruir esses «papéis», sem obter qualquer resposta.
«Sabemos agora que há pessoas que beneficiaram dos RERT e aparecem envolvidos nos chamados “papéis do Panamá”», referiu Jerónimo de Sousa, que disse saber ainda que podem ser abertos processos de investigação pelo Ministério Público sobre as informações trazidas pelos ditos Papéis do Panamá!
E sabendo ainda que «há outros processos em curso», perguntou ao primeiro-ministro se já tomou ou vai tomar medidas para que o Ministério das Finanças salvaguarde toda a documentação dos RERT, evitando desde já a destruição do RERT I, até a Justiça dar por encerrados todos os processos abertos ou que possam vir a ser iniciados.
Dizendo ter sido recentemente alertado para a situação, António Costa informou que o Governo está a adoptar medidas para assegurar, nos termos da lei, que «não haverá destruição de documentos que possam ser relevantes para qualquer investigação» já aberta ou que venha a sê-lo pelo Ministério Público.
Nem submissão nem retrocessos
À nova fase da vida nacional inaugurada com a alteração da composição da Assembleia da República dedicou também o Secretário-geral do PCP uma parte da sua intervenção. Realçou sobretudo o significado da comprovação de que «não estávamos condenados a seguir o rumo de exploração e empobrecimentos dos últimos quatro anos», valorizando simultaneamente o facto de ter já sido possível a «restituição de rendimentos e direitos dos trabalhadores e do povo», direcção que disse ser «necessário prosseguir».
Jerónimo de Sousa considerou que a «ideologia das inevitabilidades também sofreu um profundo revés», embora se esteja «ainda aquém», anotou, de «aproveitar todas as potencialidades que a nova situação permite». O que, em sua opinião, «resulta, em parte, da manutenção do amarramento do País a constrangimentos externos, impostos pela União Europeia, e que se revelam crescentemente contraditórios com a devolução de direitos e rendimentos que condicionam severamente o nosso desenvolvimento e estão bem patentes no Programa de Estabilidade e no Programa Nacional de Reformas».
Daí entender que a solução para os problemas nacionais «não é a submissão às imposições da UE nem o regresso às políticas do governo anterior», como o CDS e PSD pretendem com as suas propostas e os seus projectos.
«Querem manter as políticas de exploração e empobrecimento levadas ao máximo extremo, querem fazer andar para trás a vida dos portugueses», acusou Jerónimo de Sousa, garantindo que o PCP nunca alinhará nesse «caminho de retrocesso».